Telê Santana afirmou inúmeras vezes que Leandro foi o melhor lateral-direito que viu jogar. Flávio Costa o comparava a Domingos da Guia pela precisão no posicionamento e pela técnica fora do comum para limpar a jogada e iniciar os ataques. Falcão, companheiro na Copa de 1982, revelou que todos naquele time eram fãs do lateral e consideravam-no o mais habilidoso daquele elenco repleto de craques. Maior jogador da posição na história do Flamengo e um gigante do futebol brasileiro, o “Peixe Frito” completa 60 anos neste domingo.
Nascido em Cabo Frio, na Região dos Lagos do estado do Rio, José Leandro de Souza Ferreira se fez rubro-negro ainda na infância, quando acompanhava o pai, fanático pelo Fla, com o ouvido colado no rádio escutando a voz trovejante de Jorge Curi nas transmissões esportivas. E mais tarde, quando percorriam os mais de 150 km que separam a cidade litorânea do Maracanã. Enquanto isso, jogava suas peladas em campo, salão ou praia, aprimorando sua habilidade.
Mas até ali não passava por sua cabeça ser jogador de futebol, pular das arquibancadas e cair direto de camisa rubro-negra, calção, meias e chuteira dentro do gramado do então Maior do Mundo. Leandro queria apenas prestar vestibular para Educação Física e, depois de formado, abrir uma academia de ginástica. Foi para isso que, nos idos de 1976, deixou Cabo Frio e veio morar no Rio com um primo, matriculando-se num curso pré-vestibular.
DAS ARQUIBANCADAS PARA O CAMPO
Apesar da arrebatadora paixão rubro-negra, foi o acaso quem deu o pontapé inicial em sua carreira de jogador. Num dia, entrou com o primo num ônibus com destino à praia do Leblon. O ponto final calhou de ser bem em frente à sede do clube, na Gávea. O primo, rubro-negro como ele, lançou o desafio: “Já que estamos aqui, por que você não tenta fazer um teste no Flamengo?”. Leandro topou. Depois de dois treinos, foi aprovado.
Dois anos depois, já estreava no time principal entrando durante um amistoso contra o America em Caio Martins. Naquela primeira metade da temporada de 1978, integraria o elenco de juvenis comandado por Américo Faria, tendo ainda esporádicas participações no time de cima. Em uma delas, atuaria pela primeira vez como titular do Flamengo, num empate em 1 a 1 com o Palmeiras no Maracanã pelo Campeonato Brasileiro, no dia 5 de julho.
O Fla tinha o desfalque de Júnior, lesionado, o que levou o técnico Joubert (ocupando o lugar do licenciado Cláudio Coutinho) a remanejar o uruguaio Ramírez para a esquerda e lançar o garoto de Cabo Frio na direita. Leandro tinha como missão marcar o veloz ponta-esquerda Nei. No fim do jogo, era Nei quem tentava tomar conta de Leandro. A atuação de segurança impressionante fez com que o jovem de 19 anos fosse eleito o melhor da partida.
Quando Cláudio Coutinho reassumiu o comando do time, em agosto, Leandro foi aproveitado mais vezes no time de cima, embora ainda fosse juvenil. O treinador se mostrava encantado com a naturalidade do futebol do lateral que via nos treinos. Na conquista do Carioca daquele ano, ele atuou em seis partidas, quatro delas como titular (incluindo a goleada histórica de 9 a 0 sobre a Portuguesa da Ilha no Maracanã, pelo segundo turno).
A temporada seguinte começou com Leandro profissionalizado, integrado em definitivo ao elenco e bastante utilizado entre os titulares. E em várias posições: nas suas três primeiras partidas pelo Campeonato Carioca Especial, jogou de lateral-esquerdo, volante e, por fim, lateral-direito. Além de sua qualidade técnica que se revelava a cada dia, sua versatilidade tinha origem em uma incomum habilidade com ambos os pés, trazida das peladas de Cabo Frio, nas quais ele se proibia de utilizar a perna natural, a direita, para passes e chutes.
OS PRIMEIROS PROBLEMAS FÍSICOS
Daqueles tempos em sua cidade natal, Leandro também trouxe um problema que atravessaria toda a sua carreira: uma lesão em um dos joelhos nunca plenamente curada e agravada por uma marca congênita, as pernas arqueadas, que forçavam as articulações. Todo esse quadro clínico o levou a ser operado para a retirada dos meniscos pela primeira vez com apenas 20 anos. E o deixou de fora dos gramados por mais de cinco meses, prejudicando sua ascensão.
Voltou em setembro, já em meio à disputa do Campeonato Estadual, o segundo daquele confuso ano. Atuou cinco vezes, sendo três como titular, e sempre como lateral. E num dos dois em que entrou, vestindo a camisa 13, marcou seu primeiro gol com a camisa rubro-negra, um tento muito bonito, limpando a marcação e encobrindo o goleiro, que arredondou no último minuto a vitória por 3 a 0 diante da Portuguesa da Ilha no Maracanã.
A mística de só ter atuado por um clube quase foi quebrada no início do ano seguinte: em março, o técnico Ênio Andrade, do Internacional, pediu seu empréstimo ao Flamengo. Leandro foi a Porto Alegre, acertou as bases e participou de exames físicos. Tudo parecia encaminhado, até que o médico do clube gaúcho pediu nova bateria de testes para reavaliá-lo. Notou algum problema e recomendou que o negócio fosse desfeito. “Ele me fez um bem danado, porque eu pude voltar ao Flamengo e seguir minha carreira”, comentaria o lateral anos mais tarde.
O problema era que, diante do inesperado fiasco da transferência, Leandro estava sem contrato e, portanto, sem poder ser inscrito no Brasileiro. Acabou não participando da primeira conquista nacional do clube, disputando apenas eventuais amistosos naquele período. Com a venda do titular Toninho para o futebol árabe após o título brasileiro, parecia que Leandro surgiria com força para ganhar a vaga no time, mas uma fratura no pé esquerdo adiou os planos.
O então reserva imediato de Toninho, Carlos Alberto (ex-Joinville) assumiu a camisa 2 e manteve a titularidade em parte do Estadual. Mas no returno, Leandro foi lançado no Fla-Flu da segunda rodada e dali em diante tomou conta da posição, chegando a marcar um gol no último jogo do time, uma vitória por 4 a 3 sobre o Volta Redonda no Raulino de Oliveira. Terminou bem o ano, embora o Flamengo vivesse momento turbulento no elenco e na comissão técnica.
E seguiria conquistando seu espaço no elenco no início de 1981, na primeira fase do Brasileirão. Até que em 28 de fevereiro, um sábado de Carnaval, sofreu um grave acidente automobilístico em Cabo Frio que o afastou dos gramados por vários meses. Mais uma vez, via ser contida sua afirmação como titular, como num verdadeiro teste de paciência. Leandro voltaria aos treinos apenas no início de maio, mas a titularidade só seria recuperada no mês seguinte, quando o Fla deu uma pausa no Estadual para participar de um torneio em Nápoles.
As duas exibições brilhantes do time nas goleadas sobre o Avellino (5 a 1) e o Napoli (5 a 0) em pleno estádio San Paolo serviram para colocar o Flamengo de vez nos eixos para acumular troféus naquele segundo semestre. E sempre contando com a categoria de Leandro entre os titulares, fosse da lateral-direita (sua posição preferida), ou da zaga, ou até mesmo do meio-campo, onde chegou a atuar de maneira esporádica como volante e meia-direita.
ENFIM, A AFIRMAÇÃO
Para quem tanto esperou, lutou e sofreu para vingar na carreira de jogador profissional como Leandro, o segundo semestre de 1981 foi redentor. Dono absoluto da lateral-direita no clube, era a hora de chegar à Seleção de Telê. Desde que assumira o cargo, em 1980, o técnico já escalara Nelinho (Cruzeiro), Getúlio (São Paulo), Edevaldo (Fluminense, depois Inter) e Perivaldo (Botafogo), sem se impressionar com nenhum deles. E resolveu dar uma chance ao garoto do Flamengo no amistoso com a Bulgária no Olímpico, no fim de outubro.
Coroada com um belo gol (o terceiro nos 3 a 0 para o Brasil, fuzilando o goleiro Donev após lançamento de Sócrates), a atuação de Leandro foi tão convincente que Telê decidiu ali mesmo pela titularidade do lateral na Copa. O Jornal do Brasil avaliou assim sua estreia: “Um dos grandes valores do jogo. Pela primeira vez escalado desde o início, mostrou iniciativa, talento e categoria para continuar absoluto na posição. Marcou um bonito gol”.
Um mês depois, conquistaria com o Flamengo a Taça Libertadores da América, tendo atuação crucial no terceiro jogo contra o Cobreloa, em Montevidéu. Os rubro-negros tinham o desfalque de Lico, atingido por um defensor chileno com uma pedra que perfurou sua pálpebra no jogo de Santiago, três dias antes, e quase não puderam contar com Adílio, que abrira o supercílio na mesma partida após ser agredido dentro da área com uma cotovelada do zagueiro Mario Soto.
O técnico Paulo César Carpegiani decidiu então deslocar Leandro para o meio-campo, formando dupla de volantes com Andrade, e passando o recuperado Adílio para a ponta-esquerda, com a entrada de Nei Dias na lateral. Porém, no fim do primeiro tempo, irritado com a violência do Cobreloa, Andrade revidou agressão de Jiménez em Júnior e foi expulso. Assim, em toda a etapa final, Leandro se desdobrou para cobrir sozinho a defesa e ainda se lançar ao ataque.
Duas semanas depois, Leandro estava novamente escalado no meio-campo – agora como um meia-direita – na decisão do Estadual contra o Vasco, participando da jogada que culminou no segundo gol rubro-negro na vitória por 2 a 1 e levantando sua segunda taça naquele fim de ano. E em 13 de dezembro, viria a conquista do Mundial Interclubes em Tóquio, com os 3 a 0 diante do Liverpool, nos quais Leandro praticamente nem precisou se esforçar para conter o tímido ataque os Reds e ainda pôde se lançar à frente esporadicamente.
Após o apito final, enquanto beijava a taça, o lateral tinha sua cabeça estava em outro lugar, bem distante de Tóquio: “Da explosão de sentimentos que eu tive ali na hora ao ver as bandeiras do Flamengo, era realmente aqui. Era no Brasil mesmo, era o povão, era a torcida do Flamengo, aquele sentimento que eu tinha como torcedor de arquibancada e saber da alegria que eles estavam sentindo aqui”, lembrou no documentário “1981 – O Ano Rubro-Negro”.
CAMPEÃO DO BRASIL E TITULAR DA SELEÇÃO
No ano seguinte, depois de ter sido eleito em janeiro a revelação de 1981 pela imprensa esportiva gaúcha e também por uma eleição promovida pelo jornal O Estado de São Paulo, Leandro ajudou o Flamengo a “unificar” seus títulos ao conquistar também o Brasileiro de 1982. Em abril, o clube era o atual detentor de todos os títulos principais que disputara, da Taça Guanabara ao Mundial. Na conquista da Taça de Ouro, o lateral só ficou de fora de um jogo e balançou as redes duas vezes – curiosamente, ambas em jogos no Recife.
Na primeira fase, um golaço em chute de perna esquerda que parou no ângulo do goleiro Jairo contra o Náutico no Arruda, numa virada espetacular do Fla, que perdia por 3 a 1 e terminou vencendo por 4 a 3. Depois, um golaço de cobertura no goleiro País contra o Sport na Ilha do Retiro na partida de volta das oitavas de final, num jogo em que o que o lateral teve ainda um outro gol equivocadamente anulado por impedimento.
Na final contra o Grêmio, houve ainda um episódio anedótico que se tornou célebre. No terceiro jogo, no Olímpico, o Fla abriu o placar logo aos dez minutos com gol de Nunes e os gaúchos passaram a pressionar em busca do empate que levaria a decisão à prorrogação. Diante do intenso “abafa” gremista, a reposição de bola do goleiro Raul com chutões fazia os ataques dos donos da casa se sucederem, o que irritava o lateral.
“Manda aqui, Raul!”, pedia Leandro com insistência. “Mas você tá marcado!”, retrucava o goleiro. O diálogo foi travado inúmeras vezes, até que Raul também perdeu a paciência e jogou para o lateral uma bola complicada, quicando no gramado. Apertado por dois gremistas, Leandro livrou-se de Odair com um chapéu e tirou o outro com um drible, numa jogada de extrema categoria, antes de descer pela ponta em lance que quase resultou em gol. Ao voltar, não perdeu a chance de tirar onda com o goleiro: “Velho, eu jogo pra caralho!”.
No mesmo dia, veio a confirmação da convocação para a Copa. Mas Leandro não chegou a viver bom momento na Espanha. Desgastado pela maratona do Brasileirão, ele foi ainda o jogador mais sacrificado pelo desenho tático de Telê. Sem a presença de um ponta, Leandro foi sozinho todo o lado direito do time, tendo de ir e voltar entre a defesa e o ataque sem alguém para dialogar. Telê havia previsto um rodízio dos meias por ali, mas que não aconteceu na prática.
De notável, apenas os dois ótimos cruzamentos para os dois tentos de Zico – um deles, numa belíssima quase-bicicleta – que abriram a goleada por 4 a 0 sobre a Nova Zelândia. Cansado e abatido com a derrota para a Itália, só voltou aos gramados mais de um mês após o Mundial, com outra maratona pela frente: o Flamengo tentava o bi Estadual e da Libertadores, além de disputar amistosos no Brasil e no exterior, num calendário quase enlouquecedor.
DE NOVO CAMPEÃO BRASILEIRO NUM FLA RENASCIDO
O fim daquele ano, porém, seria um completo anticlímax: visivelmente esgotado fisicamente, o time perdeu a chance de avançar novamente à final da Libertadores e foi derrotado pelo Vasco na decisão do Estadual. Para agravar a crise, houve ainda a morte do supervisor Domingo Bosco, homem fundamental para aparar arestas internas, e os desentendimentos entre o técnico Paulo César Carpegiani e jogadores como Tita e Nunes se tornaram públicos.
A crise seguiu até a metade do Brasileiro de 1983. Mas o Fla ressurgiria após a chegada de Carlos Alberto Torres para comandar o time e voltaria à decisão do torneio contra o Santos. Derrotado no Morumbi na partida de ida por 2 a 1, deu a volta por cima no Maracanã em grande atuação coletiva diante do maior público da história da competição: precisando vencer por dois gols de diferença para evitar uma prorrogação, aplicou um sonoro 3 a 0.
Leandro teve excelente atuação, coroada com a marcação do segundo gol, ainda na etapa inicial, escorando de cabeça uma cobrança de falta de Zico de forma inapelável, bem no canto do goleiro Marolla, aos 39 minutos. Mas não só: também conteve o perigoso ponteiro-esquerdo santista João Paulo e, pouco tempo depois de balançar as redes, ainda acertou o travessão com uma bomba de pé esquerdo de fora da área.
Ao longo da carreira, porém, Leandro se acostumou a enfrentar a cada novo êxito uma nova provação. O homem de quem o acaso fez jogador profissional e que ostentava formação um tanto diferente da maioria dos outros atletas também possuía uma sensibilidade distinta quando confrontado com certas situações. No fim de 1983, Leandro enfrentava problemas pessoais e decidiu pedir pela primeira vez sua dispensa da Seleção, que disputava a Copa América.
Casado há pouco tempo com sua namorada da adolescência e tendo recentemente se tornado pai pela primeira vez, Leandro vivia momento emocional turbulento em parte pela cobrança da esposa para que passasse mais tempo em casa, algo um tanto incompatível com a atribulada rotina de jogador, e em parte pelo fato de que as duas famílias não se davam. O divórcio doloroso o levou a fazer sessões de análise, pedir a dispensa do time de Carlos Alberto Parreira e mesmo cogitar abandonar o futebol, decisão felizmente revertida.
A TRANSIÇÃO DEFINITIVA PARA A ZAGA
Em meados do ano seguinte, Leandro passaria por nova transformação, agora dentro de campo. Em junho, o Flamengo negociara Júnior com o Torino e contratara para seu lugar o ascendente Jorginho, do America. No entanto, o técnico Zagallo, que voltava à Gávea após uma década, tinha outros planos: vendo o garoto Adalberto, dos juniores, pedindo passagem na lateral-esquerda, decidiu deslocar Jorginho para a direita (posição em que também atuava) e Leandro para a zaga central ao lado de Mozer, com o antigo titular Figueiredo indo para o banco.
A medida também tinha como objetivo poupar o lado físico de Leandro, cujos joelhos já não aguentavam mais o vai e vem da função de ala. De todo modo, ele continuou esbanjando talento na nova posição: perfeito nas antecipações, vigoroso no combate, seguro no jogo aéreo e com toda a sua técnica natural para limpar a área e sair jogando. Por tudo isso, voltou a ser premiado com a Bola de Prata, agora como melhor zagueiro central do Brasileirão de 1985.
Com o retorno de Telê Santana ao comando da Seleção, Leandro também voltou, após ter ficado de fora nos meses em que Evaristo de Macedo esteve à frente do time. O dilema, no entanto, era sua posição: Leandro pediu para disputar posição na zaga, mas o treinador o convenceu a seguir na lateral. De início, saiu-se muito bem nas Eliminatórias e ainda marcou seu segundo gol pelo Brasil num amistoso contra o Chile no Beira Rio, vencido por 3 a 1.
O gol de Leandro foi uma pintura: recebendo a bola de Cerezo na meia direita, avançou por dentro, limpou o marcador e disparou uma bomba de pé esquerdo, estufando as redes chilenas. Mas no fim daquele ano, ele marcaria outro ainda mais memorável, no Fla-Flu que abriu o triangular final do Estadual. Aos 44 minutos do segundo tempo, os rubro-negros perdiam por 1 a 0 quando o meia Gilmar Popoca foi derrubado perto da área. Andrade, num último recurso, levantou a bola para a área, mas o centroavante tricolor Washington afastou.
A bola voltou pingando da área do Flu até a intermediaria. Procurava Leandro. Após o terceiro quique, o camisa 3 encheu o pé, o foguete triscou o travessão de Paulo Victor e quicou dentro do gol, às costas do atarantado goleiro tricolor. O Maracanã explodiu. Zico, que assistia ao jogo das cabines de rádio, comemorou insanamente, esmurrando o vidro. Ao seu lado, Jorge Curi, o mesmo locutor que Leandro ouvia com seu pai em Cabo Frio, narraria o último gol no clássico em sua vida. Dali a 12 dias, faleceria num acidente de automóvel.
A POLÊMICA ANTES DA COPA DE 1986
No ano seguinte, durante a preparação para a Copa do México, uma polêmica que marcaria sua carreira. Após duas semanas de clausura na Toca da Raposa, o técnico Telê Santana deu algumas horas de folga aos atletas num domingo. Leandro, que nem pensava em sair, acabou persuadido, ao ver a concentração rapidamente se esvaziar. Os jogadores foram a um bar, de onde seguiram para um churrasco na casa do ponteiro Éder e, de lá, para uma boate. Quando deu o horário de retorno, alguns jogadores voltaram, mas Leandro decidiu ficar, assim como Renato Gaúcho.
Os dois beberam até mais tarde e chegaram à concentração às duas da manhã. Tentaram pular o muro, aproveitando toda a “estrutura” com escadas e cadeiras que alguns jogadores haviam preparado para que não fossem delatados, mas não conseguiram e decidiram entrar pela porta da frente. Um dos seguranças viu e denunciou a dupla à comissão técnica. Furioso, Telê decidiu cortá-los, mas foi persuadido pelos demais jogadores.
Em meio ao escândalo, que naturalmente ganhou as páginas dos jornais, gerou todo tipo de comentários e deixou o ambiente na concentração (que já não era agradável) ainda mais pesado, Leandro começou a amadurecer uma decisão, que ganhou ainda mais motivação ao se saber que, na lista final da Copa, ele havia sido incluído, mas Renato não. No dia do embarque, para que não houvesse tempo de ser demovido, renunciou à convocação.
A decisão de não embarcar era alimentada por uma soma de razões: Leandro (assim como outros jogadores) percebia que Telê Santana havia mudado em relação a 1982: de rigoroso, tornara-se intransigente, quase impossível de dialogar. E sentia que o técnico não gostava de Renato e que havia encontrado no caso da Toca da Raposa um pretexto para se livrar do ponteiro, algo que o defensor considerou “uma sacanagem” com o gremista.
Leandro também sabia que não tinha mais pique para jogar na lateral, ainda mais num esquema igual a aquele que o havia sacrificado pelo isolamento quatro anos antes. Telê, porém, descartava totalmente escalá-lo na zaga, onde atuava no clube há dois anos. Além disso, as questões físicas se agravavam: ao examiná-lo, os médicos do Flamengo se impressionaram ao constatarem que a artrose em seus joelhos era comparável à de uma pessoa de 60 anos.
DE VOLTA AO FLA, DE NOVO CAMPEÃO
A decisão de não embarcar também significou o fim de sua carreira na Seleção. Agora, dedicando-se exclusivamente ao Flamengo, ele pôde participar da reta final do Campeonato Estadual de 1986, ajudando a equipe a superar o Vasco de Romário e Roberto Dinamite numa melhor de três decisiva: após dois empates em 0 a 0 nas duas primeiras partidas, os rubro-negros venceram a terceira por 2 a 0, e o capitão Leandro levantou a taça.
A temporada 1987 seria a última em que Leandro conseguiria atuar com frequência, ainda que os problemas com os joelhos provocassem dores intensas e demandassem todo um tratamento com gelo após cada jogo. Na campanha vitoriosa da Copa União, ele formaria experiente dupla de zaga com Edinho (repatriado da Udinese), atuando em 12 dos 19 jogos e colecionando algumas exibições memoráveis, como contra o Palmeiras no Maracanã e no nervoso jogo de volta das semifinais contra o Atlético no Mineirão.
No ano seguinte, depois de atuar de modo intermitente no Estadual (e nele marcar seu último gol pelo Flamengo, nos 3 a 1 sobre o Volta Redonda na Gávea) e ainda de integrar o misto rubro-negro que faturou a Copa Kirin derrotando o Bayer Leverkusen no Japão, decidiu não mais protelar e aceitou operar da artrose crônica no joelho direito. Era o início do fim. Pelas duas temporadas seguintes, pouco atuou: fez só quatro jogos em 1989 e 12 em 1990 – um deles, o da despedida de Zico do Flamengo, em fevereiro, no Maracanã.
Pouco tempo depois, era Leandro quem se despedia, aos 31 anos, concretizando algo para o qual já vinha se preparando, diante do cansaço da luta pela recuperação física. Mas sem dramas: apenas recolheu-se na sua Cabo Frio e passou a viver para a nova família e uma pousada que construiu na cidade. Longe dos holofotes, mas sem se incomodar em falar no Flamengo, e com a saudade da torcida rubro-negra sempre batendo.
“Engraçado que, às vezes, eu me pego pensando assim: ‘Será que eu joguei mesmo no Flamengo? Será que eu representei tanta coisa assim para a nossa torcida?’. Tudo aconteceu muito rápido na minha carreira e realmente foi algo fantástico. Eu amo muito o Flamengo. O diferencial é você ser um torcedor apaixonado e jogar pelo clube que torce. Você veste a camisa realmente”. E nas 415 vezes em que vestiu o manto rubro-negro, Leandro o honrou como poucos.
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